Saímos dali e ele acompanhou-me até casa, fomos o caminho praticamente todo abraçados por um silêncio constrangedor, estávamos quase a chegar à casa da minha avó quando decidi acabar com aquele silêncio embaraçoso.
-Olha eu acho que não me apetece ir à tal festa - olhei para ele.
-Emma... eu sei que isto que descobrimos hoje é muito esquisito e perturbador...mas... não podemos deixar que isto nos afecte desta maneira, não esta noite, a noite da fiesta, da despedida de férias, não podemos uma vez na vida fugir às ''regras'' e tentar ocultar o facto de termos descoberto que pertencemos à mesma família? Se calhar ocultar ou fingir que nada mudou é a melhor forma de seguir em frente -adoro a forma como o Alex me faz ver as coisas de outra perspectiva...de que nem tudo é tão mau quanto parece e o melhor a fazer é seguir em frente - e agora? somos primos em 3º grau... e então? não é nada do outro mundo, quantas pessoas não conheces que casaram e são primos em 1º grau? Olha tens um bom exemplo a tia Emília também casou com o primo João, e tiveram um filho saudável, por isso, nem sempre há risco de nascerem filhos deficientes, mas aqui o que está em causa nem é isso eu sei...mas se uma vez na vida fecharmos os olhos e fingirmos que nada aconteceu... - fez uma pausa - seja a melhor maneira de lidarmos com a realidade.
- Ah então estás a dizer que fugir à realidade é a melhor maneira de resolver as coisas?
Ele suspirou, olhou para o chão e depois olhou novamente para mim.
-Não... o que eu estou a tentar dizer é que por vezes se ignorarmos a realidade podemos ver os nossos problemas de outra perspectiva, também não vamos morrer por sermos primos não é?
-É tens razão... afinal de contas nem somos primos muitos chegados, nem nos conhecíamos... isto não passa de uma situação estranha e embaraçosa passageira... certo?
-Certo - deu-me um beijo na testa - venho buscar-te por volta das 21h?
-Ah...ok...que se lixe, espero que esta festa valha a pena para me fazer esquecer do mundo real por uns momentos.
-É isso mesmo, vais ver que não te vais arrepender. Até logo, e não te esqueças leva uma roupa que não estimes muito.
Agora sim, estava um pouco mais aliviada. Entrei em casa e fui tomar banho, deixei que as pequenas gotas que escorriam pelo meu corpo significassem cada uma delas um problema ou uma situação má da minha vida, assim que desligasse a torneira, os meus problemas abalariam todos pelo cano a baixo, contudo tinha receio que de alguma maneira aquelas gotas voltasse a entrar em contacto comigo, fazendo que coisas que preferia esquecer viessem outra vez parar aos meus pensamentos por alguma razão desconhecida, assim que acabei de tomar o meu rápido duche de 10 minutos, desliguei a torneira e enrolei-me numa toalha laranja, calcei os chinelos de enfiar no dedo roxos e fui para o quarto, deixando marcas dos meus passos pelo corredor, sim um dos meus problemas se assim lhe posso chamar, sempre que tomo banho, é chuveiro para aqui e chuveiro para ali a fazer de microfone e quando dou por mim a minha casa de banho tornou-se no titanic. Na sala-roupeiro vesti um conjunto soutien e cueca preto e vesti uma t-shirt branca simples com uns calções simples que já tinha à muito tempo de ganga clara. Calcei os chinelos roxos, fiz um rabo de cavalo, meti um pouco de perfume que me tinham oferecido pelos anos e desci até à cozinha, a Alem estava em cima do sofá a dormir e a avó já estava a servir a comida, ao que parecia era sopa de agrião e arroz com bifes, o pai ainda não tinha chegado.
Ela assim que me viu, parou de meter sopa nos pratos e dirigiu-se para ao pé de mim.
-Já estás melhor querida?
-Ah...a...sim, mas podemos não falar sobre isso?
-Está bem. -respondeu ela apreensiva e continuou a tirar a sopa da panela com a concha para o prato do meu pai.
-O pai? Não o vejo desde manhã.
-Foi tratar de uns assuntos, mas deve estar quase a chegar.
-Que assuntos?
-São coisas lá do trabalho dele, não é nada de importante, podes sentar-te já, e comer a sopa enquanto ele não chega.
-Ok.
Levei a colher à boca.
-AUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU! AI AAAAUU AAIIII AUU AIII!
-Toma, toma, mete este cubo de gelo na boca. -disse a minha avó aflita.
Atirei com o gelo para a língua. Ah! Agora já não estava a queimar...
-Não me viste a pôr a sopa mesmo agora? Devias ter pensado primeiro que ela provavelmente ia estar a ... ESCALDAR... não sei... -disse a minha avó com uma cara risonha.
-Pois... mas eu pensei que a sopa já tivesse arrefecido, como eu fui tomar banho e tudo, olha agora já serviu de lição.
-Ai Emma Emma... tu e os sarilhos, vá acaba de comer a sopa, mas sopra primeiro!
-Claro avó já não sou nenhuma criança.
Ela franziu o sobrolho como quem diz ''a sério?''.
Continuei a comer a sopa mas a minha língua já não era a mesma, parecia as línguas do gatos, estava áspera.
-Ah, avó, quando o pai chegar, não comentes nada sobre o que aconteceu hoje de manhã está bem ?
-Se assim queres, é assim que é.
Já ia em 6 colheradas quando o meu pai entra em casa.
Caminhou lentamente até à mesa, puxou uma cadeira e sentou-se.
-Então os teu amigos já disseram a que horas passam cá?
-Ah... sim, por volta das 21h.
-Ah mas já são 20.40h vê se te despachas.
-Sim, pai!
-E eles são de confiança Emma?
-Sim...não te preocupes, são pessoas muito porreiras, então o António da minha turma é super engraçado. É só uma festinha de despedida às férias.
-Como assim? Vocês já começaram as aulas à 1 semana...
-Oh sim, mas foi só apresentações e etc, para a semana é que começamos a dar matéria a sério. E assim deu para conhcer o pessoal melhor antes da festa e tudo.
-Ah! Ok...
Acábamos de jantar e eram 21 horas em ponto quando o Alex bateu à minha porta.
-Até logo avó, até logo pai.
-Adeus, porta-te bem. -disse a minha avó.
-Sim menina Emma, juízo, adeus. -disse o meu pai.
Descemos o quintal da minha avó. Ainda não era de noite mas o sol já se estava a pôr.
-Ainda não me cumprimentas-te como deve de ser. -disse ele com um sorriso rasgado.
Coloquei os braços à volta do pescoço dele e beijei-o.
-Assim está melhor?
-Hum... não sei, acho que vai ter que fazer melhor que isso. -disse ele piscando-me o olho.
-Idiota -disse-lhe, dando-lhe um pequeno murro na barriga - vamos mas é antes que o pessoal comece todo a chegar. Hum... onde está a Marta?
-Ah ela ficou em casa a acabar de se arranjar, e disse que ia lá ter com a Ana, o que nos deixa sozinhos até chegarmos ao local da festa.
-Hum agrada-me. - disse ao pararmos à porta de casa dele.
-Vamos de carro?
-Sim, a minha mãe leva-nos é a única maneira.
-Então acho que não vamos estar completamente sozinhos...
-Pois... esqueci-me desse pormenor - fez um sorriso embaraçado - vamos?
-Força.
Entrámos no carro e a mãe dele já lá estava dentro. Em poucos minutos estaria na festa de despedida às férias, com o meu namorado, e os meus amigos, a tentar esquecer o que tinha descoberto, ainda assim será que os problemas me vão deixar de vez em paz?